O Artista

Por:  César Romero
O Artista
 
Artistas constroem história para que valha a pena a aventura humana. Na tradição, no transitar de ideias ele organiza o caos, movido pela necessidade interna de expressar sentimentos e fatos decorrentes de sua época. Materializar uma realidade - a produção carrega um longo processo de aprendizagem, experimentações, persistência e foco. Um trabalho incansável no credo e obstinação. Na labuta diuturna e no poder do sonho. O sonho e a ação são motores da realidade.
Artistas visuais são provocadores que convertem armadilhas do olhar, através da lógica, num produto sensível chamado arte. O engenho na captura de estranhamentos, marcados no mundo real, é que determina o poder da criação. Não existem produtos definitivos, tudo pode ser revisto, revisitado, buscando novas postulações. O destino do artista sempre será a ocorrência, e as pontes de acesso entre pessoalidade e o pluralismo contemporâneo. Reproduzir a natureza não é matéria para um artista criador, mas transfigurá-la nas suas mais amplas possibilidades. Natureza como mundo físico, tendências e instintos que norteiam e constituem a essência da espécie humana. Novos significados ao já visto, estranhamentos ao cotidiano, reprocessamentos de vivências são tarefas pertinentes ao ofício. Propor enigmas e decifrá- los em minúcias, qualidade da linguagem, ideações transmutadas, nível de informação e inteligência visual, são cúmplices do criador. Infelizmente o talento não garante sobrevivência, viver com dignidade do produto final, mas contribui de forma notável para formação de iconografias originais, renovadoras, que muitas vezes marcam a história da arte. A criação de um idioleto- linguagem específica de um artista criador– requer coerência, lucidez, dose desmesurada de paciência e contemplação. Todo artista é refém do seu fazer, marca autoral, grafia e pensar. Um remover-se no auto- conhecimento, na vida instintiva profunda.
A lógica e a emoção são coisas distintas, mas podem perfeitamente unidas, como se deve, fluir para um produto chamado arte. Somações de vivências, colcha de retalhos da memória, onde se constrói essência. Caminhos simultâneos, distintos, similares, podem fazer parte do ideário de qualquer criador. Integrações entre linguagens visuais e verbalizadas aprimoram o produto.
Artistas valem por sua capacidade de renovar, cuidarem de forma original de estranhamentos inventivos, de outro lugar da memória.
O artista é um trabalhador como outro qualquer. Nem melhor, nem pior que outros profissionais. Fez sua escolha e isto cabe ganhos, perdas e consequências. O que lhe dá importância é o trabalho concluído e seu poder causador.
Arte é invenção de linguagem, transfigurações, códigos específicos e fala pessoal.
A intuição, um tipo de inteligência, não é tudo, mas imprescindível no processo gerador. O que é expresso foi impresso anteriormente em nossa estrutura psíquica. O artista é um operário, articulando equações do olhar. O estoque de ideações resulta num produto final, que não mais pertence ao obreiro e sim ao público, por mais restrito que seja. O trabalho finalizado, elo de ligação entre artista e o outro, faz a aliança, demarcando possibilidades expressivas. Mas tudo deve ser justificável, na lógica, na proposição. O artista também tem a função de educador, não só produtor de arte.
A liberdade de criação é irretocável, a substancia máxima. Não se concebe um artista aprisionado à moda, mercado, censura ou possibilidades expressivas. O conceito de democracia é conquista da civilização.
Tudo está imerso em nossas vivencias. Nada é por acaso, o inconsciente é soberano. Interlocutores ajudam no caminho.
Neste contexto, entre milhares, um exemplo lapidar foi o artista paulista Wesley Duke Lee, primeiro a realizar uma performance no Brasil em 1963. Era desenhista, pintor, fotógrafo e designer. Inteligência rara, aliada a cultura e conhecimento. Faleceu aos 78 anos em setembro de 2010 em São Paulo.
Artistas visuais possibilitaram grandes transformações na arte, criando um repertório que engrandece e qualifica a raça humana.
 
César Romero é artista plástico e crítico de arte. Membro do conselho consultivo da APAP e membro da ABCA Associação Brasileira de Críticos de Arte.
                                      César Romero

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